Igreja de Oura, onde fui baptizada ( Céu 2010) |
No seu prefácio à 3ª Edição de “Novos Contos da Montanha”, escrito a partir de Coimbra em Setembro de 1952, coíncidentemente o mês e o ano em que nasci, Miguel Torga refere o seguinte:
“ (…) Painel tosco e montanhês, como sabes. Mas nosso, quer queiramos, quer não, e dos outros também, quando a curiosidade dos outros der a volta ao mundo.
Então embora sorriam da ingénua pintura do artista, hão-de certamente render-se à penitente grandeza destes irmãos serranos, que se purificam com sofrimento universal num purgatório de chamas transmontanas. “
Olhando as montanhas que cercam Pamplona, neste agreste Norte de Espanha, lembro-me de outras montanhas, onde fica a minha Terra, a minha Aldeia, as minhas raízes, o meu chão.
Aldeia também ela agreste, com gentes de gestos rudes, mas afáveis e também bravios, de pele curtida pelo sol e pelo vento Suão, que varre aquelas terras e aquelas gentes sem piedade, como tão bem descreve Torga.
Sejam brancos, verdes ou castanhos, os tons que pincelam a paisagem transmontana, trazem-me à memória imagens que convidam quase sempre à melancolia…não depressiva mas irrequieta, criativa e aventureira.
Como “as gentes” transmontanas!
Por “sortes” , fui nascer a meio-caminho entre Oura, onde me baptizaram e o Vidago : O Monte Meão.
Ali a poucos passos do agora tão luxuoso Palace Vidago e da “milagrosa” Fonte Salus , “padroeira” das Águas de Vidago e Pedras.
A casa onde nasci era, à época, a única, agora um bairro desenvolvido, que junta Oura e o Vidago.
Ficava fora de portas, ouviam-se os lobos e os nossos falecidos.
Coisas do outro mundo!
Aos serões sem televisão, sem nada, as conversas giravam à volta de figueiras onde apareciam “caretos” e “assombrações”, homens com cabeça de bicho, ouriçadas de tão enormes.
E nós, os miúdos, de olhos maiores e mais redondos do que bolas de bilhar, ficávamos mudos e quedos, com medo do escuro e ouvindo o silêncio.
Ansiávamos pelo “chiar” das rodas dos carros de bois, que lentamente subiam as ruas empedradas da aldeia, pois anunciavam o amanhecer , as brincadeiras e os “banhos” na Ribeira de Oura.
Quais formigas trabalhadeiras, os homens e as mulheres da minha aldeia saíam cedo para a rua, para trabalhar a terra, desbravando-a e “cortando-a” a poder de braços.
Ainda hoje me questiono como é possível tirar frutos daquelas enormes fragas!
A minha gente é gente fibra, de granito!
Tal como as suas terras!
Só assim sobreviveram ao sofrimento, ao silêncio, à aridez e à tristeza, atraindo sobre si “as sensíveis criaturas tocadas pela magia da arte e chamadas pelos imperativos da vida” (Torga).
Pamplona, Setembro de 2011
Terras da minha Aldeia (Céu, 2010) |
2 comentários:
Adorei o teu texto. Um regresso às origens muito emotivo.
Um beijinho
Isabel
Obrigada Isabel.
Ainda bem q gostaste.
Um beijinho
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