quinta-feira, 21 de março de 2013

Poemas com mar ao fundo





Mar chão
Cabo da Roca
Foto de: Céu



 
 
 
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
 
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
 
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
 
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
 
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
 
                      Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914

 



domingo, 17 de fevereiro de 2013

Anjo da Guarda



( De vez em quando o meu Anjo da Guarda transforma-se em gente )



"Só se vê bem com o coração.
O essencial é invisível aos olhos"
 
(Saint-Exupéry)
 
Pamplona, Fevereiro, 2013 (Céu)




" (...) A distância pode causar saudade, mas nunca o esquecimento "

(Filosofia chinesa)

 
 
 
De uma maneira geral, temos medo de demonstrar os nossos sentimentos.
 
Mas eu estou aqui, mais uma vez, para escrever sobre sentimentos e emoções.
 
É assim que me sinto bem!
 
Vem isto a propósito de um encontro que tive, há uns tempos atrás, após uma delicada cirurgia de seis horas.
 
No dia seguinte, entrou-me pelo quarto da Clínica, uma senhora auxiliar, de grande porte e com um sorriso, bastante largo e doce, no rosto.
 
Se eu estivesse sem "as brumas" pós-operatórias, teria correspondido a este lindo sorriso.
 
Não o fiz e não podia, visto que um tubo, que ligava o meu nariz ao estômago, impedia-mo.
 
-Vamos  dar banho! Disse-me ela.
 
Achei que delirava, pois eu nem sequer me podia mexer, cheia que estava de tubos e sondas, a que  "carinhosamente" passei a chamar "artilharia pesada".
 
Dei por mim, quase no ar, nos seus braços fortes mas protectores e delicados, que me fizeram sentir como se estivesse num verdadeiro "banho de espuma".
 
Dizia-me, com voz doce: bonita!
 
E eu, dorida, sussurrava: cuidado!
 
Mas ela repetia: bonita!
 
Eu com medo que ela me "partisse" e ela sempre carinhosa e fazendo-me sentir cada vez mais forte e menos vulnerável.
 
Durante 10 dias, tivémos este encontro especial, o qual me marcou e foi decisivo para a minha recuperação.
 
Estive, esta semana, na mesma Clínica e vi-a.
 
Olhámo-nos e reconhecemo-nos.
 
Abraçámo-nos cúmplices.
 
Vestia uma outra farda. Fora promovida.
 
Subiu de "posto", com todo aquele seu amor fraterno.
 
Acarinhei-a, como tantas vezes me fez.
 
Olhei-a e vi, de novo, alguém de grande porte, mas com um coração cheio de amor e dádiva. 
 
Aos meus olhos, ela transforma-se em Anjo delicado.
 
De vez em quando, o meu Anjo da Guarda transforma-se em gente.
 
Bem-haja, minha querida!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Do lado de cá dos montes


 
 
 
 





"Este Trás-os-Montes da minha alma! Atravessa-se o Marão,
e entra-se logo no paraíso"
(Miguel Torga)
 
 

Foto: «O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza. Socalcos que são passados de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor pintou ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis de visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta».
                                                                                    Miguel Torga in "Diário XII"








Querer


 Sem cinzel se esculpe uma paixão
Na granítica rocha transmontana.
É bastante o pulsar do coração
... Tomado pela melancolia
Do espaço montanhês
Que assalta a cada dia
Quem, como tu, cismontana
De longe ouves e vês
Os pássaros a cantar
A bruma do alvorecer
O latir aos lobos e o borbulhar
Da água das ribeiras a correr.

(PM)







Poema da autoria de um grande amigo e dedicado a todas as cismontanas.