sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Poemas com mar ao fundo


                                                                   Luz

Mar da Costa ( Céu, 2012 )








Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,
que o absurdo, mesmo em curtas doses,
defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!
Se é verdade o aforismo faca afia faca (...) então que a faca do absurdo
venha afiar a faca da nossa embotada vontade,
venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado
e o dia a dia será nosso e diferente (...)
Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.
Mas nós não queremos ser um povo feliz (...)
Nós queremos a maleita do suíno, a noiva que vê fugir o noivo,
a mulher que vê fugir o marido, o órfão que é entregue à caridade pública,
o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital
onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma (...)
Queremos ser o pai desempregado que não sabe que Natal há-de dar aos seus.
Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia,
um pequeno absurdo às vezes chega para salvar.


                                     Alexandre O'Neill, o "Princípio da Utopia"

Sem comentários: