quarta-feira, 5 de outubro de 2011

"Coisinhas"

Sol de Luz   (Céu, 2010)




      "Nunca estou mais acompanhado do que quando estou sozinho"
                                                                                                                                                
                                                                                           Cícero



- Quem me dera!...
O tom era de desabafo, um suspiro de saudade. Talvez a saudade,
Saudade de um tempo ...

Virei-me para o vulto que caminhava ligeiramente atrás.
Um rosto de pergaminho, sorridente, afável. Olhos azuis de uma mansidão transparente, clara.
Receei falar.
Podia pensar que me estava a intrometer, às vezes as pessoas querem falar sozinhas!

Continuou,
- Todos os dias venho aqui, menina (tão bom quando me tratam assim!).  Eu e a minha irmã.

Num gesto rápido, outro rosto de pergaminho surgiu. Menos "amachucado", mas feito no mesmo molde.
Sorriu tímida e sem falar, anuiu.

- Vimos de Caneças!
E, traquinas, continuou : tomamos o pequeno almoço, passeamos à beira-mar e, depois, voltamos para casa.
Para as nossas "coisinhas".

Desejei ser uma "esponja", para absorver tudo e nada perder daquela lição, daquelas simples palavras...das "coisinhas" pequenas da vida.
Afinal, das que valem a pena. 
Da vida, de nada mais teremos saudades a não ser das pequenas coisas!
E o que será isto de a gente se prender às coisas?
Li algures, a propósito, algo que me ficou na memória e que julgo ser de Alçada Batista, em que ele afirmava que, talvez porque cada uma de nós tem uma história cujos personagens e coisas estão associadas, o que fazia a nossa história não era a história do poder nem a dos heróis mas sim a nossa vida quotidiana.
A esta altura, já havíamos parado e conversávamos como "velhas" conhecidas.
Amena a conversa, em que fui sabendo, entre outras confissões, que ambas eram viúvas e que uma tinha duas filhas a viver no estrangeiro.

- Como vê, menina (doce, outra vez), somos ambas sozinhas.

A irmã do sorriso calmo, concordou.
Aquele sorriso também conversava. Sem palavras.

- Repare que não vivemos juntas. Cada uma tem as suas "coisinhas".

Eu sentia, cada vez mais, ternura pelas "coisinhas" e, cada vez melhor, entendia o que eram.
A irmã do sorriso calmo disse, então, com "palavras de dizer" :

- Com estes passeios, conhecemos pessoas com quem nos apetece falar.
A sua voz era bonita, clara e tranquila, como o sorriso. Os olhos, espertos, piscavam luz.

Disse-lhe que assim também aligeiravam um pouco a solidão.
Suspirou, sorriu de novo e perguntou-me o que era a solidão.

- Falam tanto em solidão!... O que é a solidão? Nunca a senti, não sei o que é!
- O que é a solidão? repetiu.

Calei. Estonteei.
Não sabia dizer-lhe.
Ainda não sei o que dizer.
Apesar de tantos conceitos, notas, explicações e dissertações sobre a solidão, ainda não tenho resposta para aquela pergunta, para aquele sorriso!
Agustina Bessa-Luis na sua obra "Dicionário Imperfeito" escreve que a "solidão é necessária ao convívio" e que "há uma parte da solidão que não podemos compor".
Ainda bem, porque é na solidão que assenta a diferença.

E esta não é, seguramente, uma "coisinha" pequena!

Céu


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